domingo, 24 de março de 2019

Algumas dores.

Imagine que você tem um corte enorme na barriga, mas não pode ser socorrido, você pega uma jaqueta de couro de zíper, ela é apertada, então você a coloca de maneira que a ferida não possa sangrar e isso funciona até que você possa ser atendido de maneira correta. Às vezes eu acho que é exatamente isso que eu faço com a minha dor, mas no lugar de procurar atendimento, eu vou vivendo dessa forma.
Porque eu sei que o tratamento vai me causar dor até meu corpo se curar. Porque o processo todo vai custar muito de mim.
Antes de contar para meus pais que eu sou homossexual eu sentia que cada coisa que eu ocultava da minha vida, cada pequena mentira que eu contava para encobrir partes da minha vida me causava um pequeno corte e a cada visita, a cada contato com eles eu sempre voltava para casa com um nó na garganta e ele me acompanhava por alguns dias. Mas eu sempre ignorava essa dor, eu sempre a coloquei em segundo plano, eu renunciava a dor como eu renunciava a mim.
Em um domingo de 5 de junho de 2016 eu escrevi o texto do link abaixo
http://lunatica-reticencias.blogspot.com/2016/06/uma-garota.html
Eu lembro de segurar as lágrimas quando eu escrevi, lembro que alguns amigos leu e me deu um apoio moral, lembro da minha companheira me dando um afago no ombro em silêncio dizendo que estava comigo.
No dia 24 de maio de 2017 eu juntei toda a coragem que eu possuía, chamei meus pais em uma chamada de vídeo e disse que precisava conversar com os dois, eu tinha escrito uma carta para ler porque eu sabia que não ia achar palavras, mesmo assim comecei a chorar e não conseguia falar. Fiquei cerca de cinco minutos chorando e meus pais desesperados tentando saber qual era o problema.
Bom, o problema é que não deveria ser problema, eles ficaram tentando adivinhar enquanto eu estava em prantos.
“Você está doente? ”, “Esta gravida? ” e etc.
Quando eu finalmente consegui ler e dizer que eu sou lésbicas veio as negações, me pediram para eu ficar sozinha, minha mãe ficava dizendo que eu era uma menina, que eu era linda e meu pai disse que eu parti o coração dele. Enfim tinha chegado o dia que eu tinha decepcionado os dois por igual.
Foi um dia difícil como eu esperava que fosse, e já teria sido muito difícil se meus irmãos ficassem apenas imparciais, mas eles ficaram contra mim e tomaram que poderiam me falar algumas palavras cruéis que não cabiam a eles. Palavras que se tivessem vindo dos meus pais seriam difíceis de receber, mas ainda assim eu teria engolido, eu devo toda a minha criação a aqueles dois e isso e todo o respeito que eu tenho pelos mesmos me fariam aguentar.
Mas nada na minha vida me faria pronta para aquele dia, acho que se eu vivesse cem anos eu não estaria pronta para aquele dia.
Após aquele dia eu tentei segui com a minha vida o mais normal possível, tive que lidar com algumas coisas corriqueiras e com o silencio que se seguiu da minha mãe e dos meus irmãos. Meu pai seguiu em negação, falando que ia rezar por mim por um tempo até que o mesmo também se calou.
O silencio se seguiu por mais de um ano e eu não tinha coragem de quebrar, eu não conseguia mais me frustrar, eu me sentia tão quebrada. E apesar de todas as coisas boas, apesar de todas as pessoas boas que estavam ao meu redor, eu sempre carregaria esta dor.
Ano passado eu mandei feliz dia dos pais para meu pai e ele me respondeu agradecendo e dizendo que dispensava. E foi como um soco no estomago, os meses passaram e no dia seguinte ao aniversário da minha mãe mandei parabéns para ela, disse que não tinha esquecido e que estava mandando no dia posterior porque fiquei com medo de estragar o dia dela, eu disse que estava com saudades e ela me respondeu dizendo que também sentia minha falta.
Aquela mensagem foi como uma brisa no verão, era um pequeno passo, mas era um passo importante. Um mês depois a esta mensagem minha mãe me procurou e nós nos vimos após mais de um ano.
Naquele encontro houve muito silencio, mas houve um abraço muito apertado seguido de muito choro, de muita saudade e de muito amor. Está sendo difícil para nós duas, mas a gente tem se visto sempre que da desde então e estamos tentando nos aproximar, mas é sempre muito difícil, ela quer a filha de antes, a filha que ela criou na mente dela, a filha que meu silencio e pequenas mentiras ajudaram a criar.
E eu não quero mais me renunciar, eu não mudei muito, mas agora tem uma parte da minha vida que eu não escondo mais e isso custa muito para ela e também custa muito para mim. Hoje eu a vi e ela me parece bem melhor do que no primeiro encontro, mas ainda temos um longo caminho e sei que esse longo caminho é dolorido para mim e para ela e no meio disso tudo, o nó que eu sentia a cada visita permanece lá.

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